Digo (digo mesmo)



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terça-feira, março 29, 2005

Henrique e Dalila Procuram

o Primo Escandinavo


("-" são falas do Henrique e "=" da Dalila)


Dalila dormia e sonhava que estava no mesmo hotel que o Pelé, numa ilha fictícia mas que no sonho era muito famosa, e no sonho dela o Pelé era desejado por todas as mulheres. Nada poderia ser melhor do que ter o Pelé para si. Ela vai no restaurante do hotel, onde os garçons andam nus, plantando bananeira, e também literalmente plantando bananeiras: de cabeça para baixo, eles põe sementes de bananeira em vasos de terra, e elas crescem instantaneamente. Mas, no sonho dela, "bananeiras" na verdade são pés de bergamota, e os hóspedes colhem as bergamotas e comem (o restaurante se resume a isso). Entre os hóspedes colhendo bergamotas, amigos de infância de Dalila que ela não vê há muitos anos (todos nus). Um deles, de São Paulo, discute com outro, de Pelotas, se o certo é Bergamota ou Tangerina (note que nesta altura do sonho já foi esquecido que eram pra ser bananas). De repente, milhares de mulheres lindas estão gritando, muito empolgadas com alguma coisa. Todas elas estão nuas e gritando muito alto, histericamente. Milhares? Sim, agora todos estão em um enorme estádio (óbvio!) e ninguém mais lembra que antes era um restaurante de um hotel. Do meio dessa multidão aparece o Pelé, o motivo da histericidade de todas aquelas mulheres. Ele vem fazendo balõezinhos com uma bola de futebol e é o único vestido. Ele colhe uma bergamota (mas já não tinham saído do restaurante?!?) e vai andando em direção a alguém para oferecer esta bergamota. E justamente pra quem? Quem?! Quem, meu Deus?!?! Para Dalila! Ele estende a mão para ela e diz:

-Dalila! Acorda logo que café da manhã não é vinte e quatro horas, sabia?!

Era o Henrique. Nem precisa dizer que ela passou o dia de mau humor.

Henrique e Dalila estavam em um hotel em Caxias porque um primo distante do Henrique veio para o "I Congresso Mundial de Aplicações do Modo Mixolídeo no Século XXI". Eles tomam o café da manhã e vão para o congresso procurar o tal primo. Chegando lá, num grande centro de eventos, há estandes, praças de alimentação, locais para mini-cursos, locais para cursos grandes, um anfiteatro enorme, vendedores ambulantes e muitas, muitas pessoas de todos os tipos caminhando pra lá e pra cá.

=E agora? Como vamos achar o teu primo? Será que é fácil reconhecer alguém da Nova Zelândia? Digo, Finlândia?

-Suécia.

=Suécia!

-Vamos ver. Tem essa área de eventos aqui, e tem o centro de convenções, mais pro lado de lá.

=Mas ele tá aqui? Ou ele tá lá?

-Acho que tá, sim.

=Mas onde?

-O quê?

=Ele!

-Ele o quê? Não ouvi o que tu falou, bocejei bem na hora.

=Ai meu Deus...

-Que foi Dalila?

=Henrique, onde tá teu primo?

-O quê?

=ONDE TÁ TEU PRIMO?!?!

-Ããããle!! Não precisa gritar também! Pra que esse ódio todo no coração?

[Dalila respira fundo]

=Henrique: o teu primo tá aqui? Sim ou não?

-Sim!

=Tá. Onde ele tá?

-AQUI! Tá surda?!?

=Mas aqui aonde?!?

-Ah, aqui aonde tu quer saber?

=SIM! EU QUERO SABER AQUI AONDE!!!

-Bom, sei que ele chegou ontem.

=Aonde?

-No Brasil, ué!

=MAS É ÓBVIO QUE ELE TÁ NO BRASIL! EU QUERO QUE A GENTE ENCONTRE ELE DE UMA VEZ E PRA ISSO PRECISO SABER EXATAMENTE ONDE ELE ESTÁ!

-Tá, Dalila: vou consultar meus satélites da Nasa e te digo precisamente a latitude e a longi-

=PORRA HENRIQUE! MAS QUE MERDA!!!!!

-Shhhhhiu!! Não tá vendo que tá todo mundo olhando pra ti? Olha aquele sueco ali, tá até rindo de nós agora! Te comporta, fassuavor.

=Sueco?

-Bah! Deve ser o meu primo! Vamo ali.

[Henrique vai falar com ele em inglês, idioma que Dalila não domina]

=E aí, era ele?

-Era o Larson, sim.

=Bah! Mas e por que não tá mais falando com ele?

-É que na verdade ele não é o meu primo.

=Era outro Larson?

-É. Na verdade ele é mesmo o Larson que eu vi inscrito no congresso, mas não é o meu primo. Na verdade ele disse que metade dos suecos se chamam Larson.

=Mas como tu não teve certeza disso antes de fazer a gente vir de Porto Alegre só pra isso?!?

-Pô! Não conheço nenhum outro Larson, é um nome esquisitíssimo. Pensei: tem um "LARSON" nesse congresso; eu tenho um primo chamado "LARSON"; meu primo deve estar nesse congresso! Ainda mais que os dois são suecos. Como eu ia saber que metade da Suécia se chama Larson?

=Mas tu não viu que era outro sobrenome?

-Mas meu primo não tem o meu sobrenome. É que não é assim PRIIIIMO, sabe? Não é primo-irmão. A minha tia-avó tem uma sobrinha emprestada que é meia-irmã de uma mulher que foi pra Suécia e lá se casou com um sueco.

=E esse sueco é o teu primo?

-Cunhado da ex-mulher desse.

=Tu me fez VIR ATÉ CAXIAS nessa MERDA de congresso pra encontrar um... um... NEM SEI O QUÊ! E NA VERDADE NEM ERA ELE!!

-Tu tens inveja, cara Dalila, pois tua família não tem ramos da árvore genealógica estendidos no além-mar, assim como a família desse que vos fala.

=AAHHHH!!!! EU TE ODEIO!!!!! PEGA ESSE ALÉM-MAR, ENROLA E-

-Dalila!! Não deixeis a inveja tomar conta de ti.

[Dalila perdeu todas as paciências que tinha. Se virou de costas e saiu.]

-Onde tu vai?

=Vou ver se pelo menos descubro que que é essa merda de Modo Mixolídeo.

sexta-feira, março 18, 2005

Henrique, Dalila e um

Cotonete Entre os Dois

("-" é Henrique, "=" é Dalila)



[Chegam do passeio, onde tiraram fotos digitais.]

=Liga o micro pra gente ver as fotos.

-Tá. Peraí, vou passar um cotonete.

=Mas Amor, já liga o micro, demora pra entrar.

-Já vai, deixa eu usar o cotonete primeiro.

=Demora pra entrar no Windows, Amor. Liga agora e vai passando o cotonete enquanto ele entra.

-Mas com o cotonete eu demoro um segundo só, tu não pode esperar um segundo?

=Posso, claro que posso. Mas não vejo por que não ligar antes. O ouvido não pode esperar um segundo?

-Agora sou EU quem pode esperar?

=Tá, Henrique. Passa o cotonete e liga depois.

-Ah, agora mudou de idéia?

=Sim, tu não entende!

-Mas agora eu tinha entendido já. Não tem por que não ligar ele antes, na real.

=Tá, então liga.

-Dalila, tu tem que ter uma posição na vida!

=Mas é tu que fica mudando!

-E parar de me culpar pelos teus erros.

=Realmente a culpa é minha por superestimar...

-Viu! A culpa era minha e agora é tua. Não tem um mínimo de estabilidade mental.

=Quem é débil mental? Quem?!?

-Não foi o que eu disse.

=Sei. Tá bom. Não foi o que tu disse.

-MAS TU ACABOU DE DIZER QUE FOI O QUE EU DISSE!!

=Tá, deixa que EU ligo essa merda de uma vez.

-Que que adianta? Daqui a um segundo vai dizer que não vai ligar mais.

=Henrique, tu tá me enchendo muito o saco. Tu tá me enchendo o saco LITERALMENTE! [enfatizou ela.] Não quero mais ver porra nenhuma de foto.

-Viu? Que que eu disse...?

=Olha aqui, Henrique: pega essa merda de cotonete e enfia!!

-Ah! Agora há pouco era pra NÃO enfiar, não era??

=AAAAAAAAAAAAAH!!!!!!!!!!

sábado, março 12, 2005

Henrique e Dalila vão ao teatro


(Dalila é "=", Henrique é "-")



=Tu bate recordes, Henrique.

[Eles estão chegando em casa, ele aliviado pelo fim do pesadelo e ela irritada como se toda a culpa fosse dele. Não trocaram nenhuma palavra no carro, na vinda, mas assim que entraram ela começa.]

=Tu-ba-te-re-cor-des-pon-to. Ninguém é TÃO ignorante em todo esse pobre astro que é a Terra, pobrezinha, que não merecia te agüentar em sua orla!

[Ele segura o riso pela parte da separação de sílabas, por ela achar que a Terra é um Astro, por ela achar que "orla" quer dizer "superfície" e por, ainda por cima, estar dizendo que ELE é que é ignorante. Segura o riso pois sabe que rindo piora. Ela continua:]

=Além de não gostar da peça, que era uma obra de arte, fez um papelão na frente das minhas tias. Que vergonha. Que-ver-go-nha-quieu-sen-ti!

[Eles estão voltando do teatro, pra onde foram com três tias de Dalila no banco de trás do carro de Henrique. As três reclamavam em coro de qualquer imperfeição no modo de dirigir dele. Chegando lá, na galeria lateral (poleiro do poleiro) do Theatro São Pedro, ele não gostou da peça mesmo, como já suspeitava assim que soube do título. "Johnny e o Link da Internet". A resenha explicava: "o João e o Pé de Feijão do séc XXI". O arrepio na espinha que sentiu quando Dalila o convidou pra assistir a essa peça mal tinha previsto as tias e o frio que faria no dia, só tinha previsto a ruindade da peça mesmo. Dalila foi com as costas de fora pra deixar Henrique com ciúmes dos outros homens - ela adora fazer isso, sabe que o ciúme move montanhas - mas, na saída, dois carros estacionaram atrás do de Henrique, trancando a saída, fazendo-os esperar no frio brutal que fez aquele dia.]

[Henrique estava gripado e, por isso, não podia emprestar o seu casaco para a pobre Dalila, que tremia. Mas se não estivesse gripado ele talvez desse alguma desculpa pra não emprestar e pensaria "bem feito, quem mandou querer fazer ciúmes". As tias dela ficaram, durante os 40 min. da espera, reclamando porque ele não dava o casaco pra ela, que no tempo delas era diferente, que onde já se viu, que ele ainda não tinha aprendido isso, sem contar as coisas que diziam no ouvido dela, na frente dele. E ela, ao invés de explicar pras tias sobre a gripe dele, escondia muito mal seu riso de satisfação por ter um time "a seu favor", pois tinha se irritado com Henrique por ele não ter gostado da peça.]

[Já em casa, ela fala em um tom de voz altíssimo:]

=Pra que ficar reclamando da peça o tempo inteiro? Pra quê? Pra-quê?

-Dalila, não berra. Tu não tem razão e fica berrando. Pára de berrar.

=Olhaí, já começou a--

-Dalila, eu sabia que tu ia fazer isso. Ia chegar em casa e ficar reclamando gritando.

=Mentira.

-Quer ver?

=Vai provar que já sabia?

-Vou. Olha o que eu escrevi enquanto a gente esperava os carros saírem:

[Henrique recita o poema que escreveu:]

Dalila não me enche o saco
Eu até falei que tava frio
Culpa tua não ir de casaco
Se tens um motivo, tenho mil...

...pra achar que não valeu a pena
ir nesse teatro que tu gosta -
pra falar de uma forma amena.
Pra ser franco, achei uma bosta.

Tu sabe que tô gripado mas não disse
pras tuas tias quando fizeram o fiasco
me torrando o saco - que chatice! -
pra eu te emprestar o casaco

A peça claramente era uma merda
E quem gostou dela tem mau gosto
E pára de reinar. Não me testa,
Pois assim me obrigas a ser grosso!


[Resposta imediata:]

=GREVE DE SEXO!!

--//--



[Quando voltam a se falar, um BOM tempo depois, vem uma discussão mais séria. Greve de sexo na verdade não existe, é um "tempo" mesmo, porque juntos eles não agüentam ficar sem e, então, pra greve dar certo, eles não se vêem, e ficam em casa um mais louco de vontade do que o outro, até onde vai o limite do orgulho. O máximo que já deu certo uma vez sem ter que ficar sem se ver foi uma greve de depilação que ela fez, que teve retaliação: greve de fazer a barba. Quando se deram conta da situação ridícula, voltaram ao normal. Agora eles discutiam em tom calmo e sério, os dois pensando se ainda valia a pena o namoro:]

-Nosso amor é como o Napster: era perfeito no início e nós nunca pensamos que ia desaparecer.

=Nosso amor é como o Jô Soares: já foi maravilhoso mas tá demorando pra se dar conta de que não dá mais.

-De repente não dá mais mesmo...

[O fato de estarem concordando com alguma coisa faz o clima melhorar.]

-De repente não somos mais Henrique e Dalila, HD, Hard Disk, Hawaiian Dreams, Hugo Deleon, Hélio Dosanjois, Helicóptero Dosbombeiros, Hospital Deatendimentodeemergência...

=Hahahaha

[Ele ainda sabia fazer ela rir. Ficam um pouco em silêncio, mas agora sorrindo. Os dois lembram muito bem que estão vindo da greve dela. Casualmente ela está usando um decote chamativo, e ela percebe ele dando uma espiada. Ele tira os olhos na hora, mas sorri sabendo que ela percebeu.]

=Rico,...

[Henrique olha fixo nos olhos de Dalila uns segundos...]

--//--

[Esse ritual leva a uma situação inevitável que só termina meia hora depois, com os dois ofegantes, deitados lado a lado, suados, olhando pro teto com um sorriso no rosto. Óbvio que eles iam acabar voltando.]

quarta-feira, março 09, 2005

Henrique e Dalila encontram Laura


("-" é Henrique e "=" é Dalila)



-O século retrasado terminou bem.

[Henrique e Dalila iam de carro ao shopping encontrar uma amiga de infância dela.]

=Quê?

-É que Dom Casmurro é de 1900. Não tem livro mais genial.

=Então o século PASSADO é que COMEÇOU bem.

-Não. 1900 é o último ano do século dezenove.

=Claro que não! Tanto que de 1999 pra 2000 foi aquela loucura! Ai, o melhor reveillon da minha vida. Entrando no século vinte e um, que loucura! Como eu fiz promessa, como eu fiz simpatia. A virada foi bem na sétima onda, a rolha estourou bem na hora e ao mesmo tempo eu engoli as sete lentilhas, que passaram sete dias embaixo de sete travesseiros brancos e amarelos.

-Putz! Como tu conseguiu fazer isso?

=Treino. Depois nunca mais também, nos outros reveillons agora só ponho a calcinha da cor certa e era isso. Mas aquele ano valeu a pena. Como foi especial! Loucura!

-Ma-- [Henrique chegou a formular na cabeça a frase dizendo que, em primeiro lugar, 2000 ainda era séc. XX e, em segundo, aquela palhaçada toda era ridícula, mas achou melhor guardar pra ele. Deixa ela ser feliz, né?]

-Legal.

=Mas daonde tu tirou esse papo de século retrasado?!?

-Não sei, me veio na cabeça.

=Qu-- [Dalila chegou a formular na cabeça a frase dizendo que aquilo era uma grande besteira sem graça e sem proveito nenhum, que ele podia guardar pra ele essas asneiras e que esses dias ela até passou vergonha quando ele veio com uma dessas na frente de não-sei-quem. Mas achou melhor deixar assim mesmo. Deixa ele ser feliz.]

=Hm.

[Chegam no shopping. Ela diz pra ele ir indo encontrar a Laura na praça de alimentação enquanto ela vai comprar uma coisa na farmácia. Ela ainda tem vergonha de dizer ao próprio namorado que está indo comprar as pílulas.]

-Tu deve ser a Laura!

+Isso! Como sabia?

("+" é o travessão da Laura)

-A Dalila me disse: "A Laura adora poesia e fala francês".

+Mas e como percebeu?

-Percebi pelo jeito, pela expressão.

[Laura ficou vermelha, adorou saber que tem uma imagem cult, e adorou a sensibilidade do Henrique. Na verdade só tinha três mulheres sozinhas esperando na praça de alimentação, e ainda por cima ela foi a terceira que ele abordou. Esse Henrique não vale nada, mesmo.]

+E a Dalila?

-Tá ótima! Vai ver se começa um curso de--

+CADÊ a Dalila? [Corrige, rindo.]

-Já vem. [Se diverte junto.]

[Eles conversam sobre vários assuntos: o relógio novo dela, que leva a presentes, que leva a Natal, que leva a lembranças de infância, que leva à tia da Laura que uma vez se assustou muito com uma galinha que surgiu do meio de umas bananeiras no sítio dela, que leva a bananas à milanesa ("+Como alguém pode comer isso?". Henrique adora mas concorda com ela), que leva a Carmen Miranda, que leva a brasileiras de sucesso (apesar de Carmen Miranda ser portuguesa), que leva a brasileiros de sucesso, que leva a Machado de Assis, que leva a Dom Casmurro, que leva a:)

-E tu vê: Dom Casmurro é de 1900.

+É?? Mas o século retrasado terminou bem mesmo!

[Nisso, chega Dalila.]

=Amigaaaa!

+Oi, guriiiiaa! Nossa, como tu tá bem!!

[Etc., etc., etc. Cumprimentos de gurias. Pior: cumprimentos de gurias que não se vêem há anos. Elas começam a falar de milhares de assuntos. Henrique não faz a menor idéia do que se trata nenhum deles. Elas lembram de piadas internas, conhecidos em comum, e se dão conta de que as duas acompanharam com a mesma persistência a vida pessoal das celebridades durante esses anos, dando assunto infinito pras duas. "Haja saco", pensa Henrique. Ele mata o tédio comendo mas, depois de não agüentar mais comer, elas ainda tem assunto. "Haja saco", pensa Henrique, repetidas vezes. Todo aquele entusiasmo de achar que encontrar a Laura com a Dalila seria legal passou.]

+E tu, Henrique, faz o quê?

-Haja saco. (Ih! Será que eu disse isso ou só pensei?)

+Quê?!?

quarta-feira, março 02, 2005

Desentendimentos de Henrique e Dalila


("-" é Henrique e "=" é Dalila)

Henrique:
-Bom dia!

Dalila:
=Bom dia?? Sabe o que que eu penso desse dia? Tomara que peguem ele pelos cabelos, pendurem-no de ponta-cabeça numa árvore, arranquem os seus--

-Nossa! Nunca tinha percebido como a palavra "ponta-cabeça" é esquisita.

[Ela vira os olhos pro lado e tremelica um pé, mãos na cintura.]

-Ponta, cabeça, ponta, cabeça... [Ele diz "ponta" apontando prum lado e "cabeça" apontando pro outro, ligeiro, se divertindo.]

[Ela, que tinha acabado de entrar, sai, com passos tão firmes, decididos, irritados e imponentes que sei lá, batendo a porta. Ficam de mal uma semana. Voltam a se falar quando ela liga pra perguntar "algo nada a ver com ele mas que ela precisava saber pra poder não sei o quê" e daí quando viram estavam se falando de novo.]

-Mas o que que tu tinha aquele dia, hein?

=Que dia?

-O que tu queria pendurar na árvore.

=Nossa! Na árvore mais alta do penhasco mais profundo da caverna mais... ...da PIOR caverna de todas! [Dentes cerrados, olhos forçados procurando a árvore, o penhasco e a caverna através da janela. Ele descascava uma pera.]

-Sabe que na minha família sempre descascamos TODAS as frutas?

=Henrique, eu vou te ignorar e continuar contando o que eu tava contando, senão vai ser mais uma semana sem nos falarmos, mais uma semana de abstinência sexual, e eu sei que tu não quer isso, porque sexo é muito importante pra ti, tu tá louco de vontade de fazer, mas tem orgulho de admitir isso, mas passou essa semana inteira querendo e só agora resolveu ligar, porque não agüentou de vontade, até porque a tua menstruação acabou de passar completamente, -- [Dalila se dá conta de que ele deve ter percebido que ela fala de si mesma e não dele, entregando o jogo. Ele contém o riso de satisfação e também o riso pela situação ridícula.]

-Mas então, o que houve nesse dia tão ruim, Lila?

[Ela pensa "ainda bem que o idiota não percebeu" e contém o riso.]

=Eu tava cantando Lineoleum, do NOFX, sabe? Cantando não, cantarolando, sei lá. A Sara ouviu eu cantando. [Nesse momento Henrique volta sua atenção totalmente pra sua memória das coxas da Sara.]

-E aí?

=Aí eu disse pra ela que essa música mexe muito comigo, é uma das minhas preferidas, me remete a lembranças importantes da minha vida.

-Ãn. [Ele vai imaginando suas mãos subindo pela parte interna daquelas coxas, mas é péssimo em fingir prestar atenção.]

=Henrique! Tá prestando atenção?

[Ele tem certo bloqueio em mentir, porque mente muito mal, é o pior mentiroso do mundo, entao só enrola, porque nisso ele é craque:]

-Prestando atenção? Ora! Mas claro que... Pô! Atenção, né. ["Um craque", pensou.]

=E aí ela perguntou sobre o que é a música!! Viu, Rico, como as pessoas são comigo? Eu sou má pra alguém? Sou? Mereço maldade? Mereço?

-Mas meu Deus! Sobre o que era a tal da música então?

=MAS É EM INGLÊS!! COMO É QUE EU VOU SABER?!? Mas tu também! Grrrrah!! [Grunhido de chacal furioso era a marca registrada dela.]

[Passos firmes, bate a porta, uma semana, ligação nada a ver mas necessária, voltam a se falar.]

-Sabe que a Coca-Cola fica tremendamente melhor se acrescentado outro ingrediente, mas eles guardam esse segredo pra se um dia estiverem falindo.

=Vai levar mais uns 100 anos então?

-Por aí. Mas diz que esse tal ingrediente é algo bem simples, simplíssimo.

[A idéia amadurece na cabeça dos dois e eles trazem do super 8 garrafas de Coca e várias coisas bem simples, e em cada garrafa tentam uma mistura. Na 8ª garrafa, a frustração faz qualquer coisa ser motivo pra briga.]

=Ah mas vai à merda com esse COENTRO! Idéia de imbecil MESMO. Só podia né.

-Tá me chamando de imbecil?

=Não. [Falou ela, dizendo que sim.]

-Mas acho que não fui eu quem tentou o OVO. Ovo na Coca-Cola. O que que vem depois de imbecil mesmo?

=E o que que é mais simples do que um ovo?

-Mas e daí que é simples, mulher?

=A receita dizia que tinha que ser simples!

-Mas que receita?!?

=Essa da Coca, ué! Ou tu tirou essa história toda da onde?

-Ué, me pareceu lógico, não sei...


[Ela bufou, chegou a virar pra porta pra sair, mas voltou e disse:]

=Olha aqui, Henrique: eu só não saio por essa porta porque sei que TU não agüentaria mais uma semana sem sexo!







Digo