-----A infância é a idade mais eterna e ao mesmo tempo a que passa mais depressa. Quando se é criança, se tem a certeza de que assim vai ser pra sempre. Mas quando a infância passa, era tão bom que parece que só durou um segundo.
-----Agora, com 20 anos, eu penso no futuro, coisa que não fazia há anos atrás. De repente o futuro passa a fazer parte do presente, mas não só como um sonho infantil. Eu sinto realmente que minhas atitudes vão influenciar aquela pessoa que vou ser daqui há anos - e não digo que esses anos são muito ou pouco tempo, pois o tempo passa de um jeito muito louco, e é muita presunção querer classificá-lo quanto ao seu tamanho.
-----O que vou fazer para melhorar meu futuro é dar uma olhada em mim do jeito que estarei daqui a vários anos, e sugiro que o leitor faça o mesmo. Vou escolher um intervalo de tempo: 10 anos. Como estarei daqui a dez anos? Vou dar uma olhada.
-----Olhando, logo vejo que eu estou em pé na calçada, com um saco grande de pano cinza na mão e estou na fila de um telefone público. O saco está apoiado no chão. Nele cabe bastante coisa, mas ele não está necessariamente cheio. A fila para o telefone público não é muito grande, e telefonar dali não é nenhum problema. O dia é bonito, é agradável.
-----Agora, só resta saber o que tem dentro do saco e o que vai ser o meu telefonema. No saco existem um ou mais objetos, e sobre eles será o assunto do telefonema. Posso ligar para qualquer pessoa. Essa situação toda vai acontecer de acordo com a imagem que eu mesmo tenho da minha vida e de como ela deve se desenrolar, e vendo essa situação do futuro posso mudar minhas atitudes do presente para tentar um rumo diferente, se eu não gostar do que vou ver. Posso olhar várias vezes: tenho várias tentativas, várias abordagens.
-----Na minha primeira tentativa de olhar, o objeto no saco é o meu violão, e vou ligar para alguém que está formando uma banda, porque até aquele dia eu ainda não tinha uma banda fixa. Eu nunca me empenhei para realmente arranjar um grupo para tocar, apesar de isso ser algo que me dá muito prazer. Sempre procurei as pessoas erradas, o estilo errado e não me esforcei para evoluir musicalmente. Talvez eu possa melhorar, para que o telefonema na verdade seja para marcar um show da banda que já terei formado.
-----Segunda tentativa. O objeto é o meu diploma de engenharia e estou ligando para tentar conseguir um emprego. Vou conseguir me formar, mas talvez eu deva arranjar logo um estágio ou um trabalho, porque eu vejo que estou demorando bem mais que os meus colegas para começar, e talvez no futuro me falte experiência.
-----Terceira: os objetos são comidas dietéticas e estou ligando pra um nutricionista para marcar uma consulta. Comer sempre foi uma coisa que me deu muito prazer, mas há anos eu não faço exercícios e sei que por isso estou engordando. Se continuar nesse ritmo, vou ter que me privar de comer o que eu gosto, vou ter que me esforçar muito para reverter a forma física, o que eu posso prevenir facilmente agora começando a praticar um esporte.
-----Agora os objetos são discos e eu vou ligar para um amigo para mostrar os últimos que eu comprei. Nesse aspecto acho que não tenho muito o que mudar, sempre vou atrás de coisas novas para ouvir, procuro conhecer novas bandas, novos estilos.
-----Foto de família e vou ligar para avisar da morte de um parente querido. Acho que passo muito pouco tempo com meus avós, meus tios e primos. Só os vejo nos aniversários e olhe lá. Deveria ir atrás deles mais vezes, aproveitar a convivência com eles.
-----Sobretudo, espero sempre ter coisas no saco e, principalmente, sempre ter alguém pra ligar. Não é preciso saber prever o futuro para se dar conta de que ter gente boa por perto vai ser importante pra sempre.

Digo

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-----Me digam agora o que vocês enxergam dentro do saco, pra quem vocês vão ligar e para dizer o quê.